O Mito remonta os antigos povos
gregos que na necessidade de explicarem o inexplicável criavam histórias e
narrativas utilizando muita simbologia, personagens sobrenaturais ou não,
deuses e heróis. O mito tinha como objetivo transmitir conhecimento e explicar
fatos através de rituais e cerimônias, danças, sacrifícios e orações. Através
de um mito pode-se ter a manifestação de alguma coisa de forma forte ou a
explicação de temas desconhecidos. O Mito nem sempre é utilizado na simbologia correta,
porque também é usado em referência às crenças comuns que não tem fundamento
objetivo ou científico.
Segundo Freud os mitos são uma expressão simbólica dos
sentimentos e atitudes inconscientes de um povo. O Mito do Complexo de Édipo
foi utilizado por Freud para explicar a atração sexual do filho, na primeira
infância, pela mãe com o desejo de suplantar o pai.
O mito pode também ter origem a partir de um estado
comportamental de uma pessoa ou grupo (povo) que a partir desse novo padrão
cria-se uma nova história, que vai influenciar uma nova cultura e formatar
novas atitudes aos povos descendentes dessa situação.
Platão em sua obra “A República” faz uma narrativa, onde o leitor é convidado
a imaginar uma caverna onde existem humanos que ali nasceram e cresceram sem nunca terem saído
para o mundo fora dessa caverna por estarem presos e acorrentados. Na porta
dessa caverna existe um grande muro que separa os dois mundos , o de dentro e o
de fora da caverna. Os homens existentes no mundo exterior mantêm uma fogueira
acesa e os ruídos por eles produzidos podem ser ouvidos dentro da caverna. Da
mesma forma suas sombras são projetadas para as paredes internas da caverna. Os
seres humanos acorrentados vêem as sombras e pensam que elas são realidade.
Platão pede em seguida que se imagine que um dos
homens acorrentados consegue escapar e fugir passando o muro e alcançando o
lado exterior onde ele percebe que as sombras antes vistas vinham de homens
como ele. Além disso, descobriu também a natureza que existia do outro lado do
muro.
Platão discursa então sobre o que esse homem fará com
essa nova realidade e o que poderá acontecer se ele resolver voltar para a
caverna, contando aos outros que a vida que estão vivendo é na realidade um
engano. Poderá acontecer que os outros homens o ignorem
completamente, ou no pior dos casos, que o matem, por considerarem que ele é um
louco ou mentiroso.
Através
desta alegoria, Platão nos remete para a situação que muitos seres humanos
vivem, num mundo de ilusão, e presos por crenças errôneas, preconceitos,
idéias falsas, e por isso vivem em um mundo com poucas possibilidades, assim
como os homens na caverna.
Platão
usou essa narrativa para explicar como o ser humano pode obter libertação da
escuridão com a ajuda da luz da verdade, falando também da teoria do
conhecimento, do conceito de linguagem e educação como alicerces de um Estado
Ideal. Contudo, é importante perceber que indivíduos que procuram espalhar a
luz e a verdade - como o homem que regressara à caverna - são muitas vezes
mortos. Esse foi o caso de Sócrates, que foi condenado à morte, depois de ter
sido acusado de corromper a mente dos jovens.Essa narrativa é conhecida como o
Mito da Caverna e serve muito bem para explicar o comportamento do ser humano
perante a uma situação inesperada ou de difícil aceitação ou conhecimento.
O Mito devido sua riqueza simbólica quando corresponde à um
comportamento, serve para ampliar o conteúdo afetivo, emocional e também o
comportamental. Isso é o que acontece no
que tange às situações onde a doença é o objeto do mito. Algumas doenças, mais graves, de
difícil tratamento ou mesmo cura, como AIDS ou diversos tipos de Câncer,
produzem uma reação comportamental muito semelhante ao Mito da Caverna aqui
comentado. Vou chamar essa situação de Mito da Doença. A desinformação acerca de uma doença
grave, onde não se sabe se existe a cura ou não para o portador da mesma, se
assemelha ao muro que separa os dois mundos exterior e interior da caverna na
narrativa de Platão. O indivíduo que observa o doente (a
partir desse ponto denominarei somente observador) na verdade está vendo a
“sombra projetada” e não sabe até onde ela é real ou não. Em função dessa dúvida, o observador
não se aproxima do ser doente, por várias razões : Medo de se contaminar, medo
de falar sobre algo que não domina, medo de produzir uma reação inesperada do
doente, medo de não ser bem recebido pelo doente. O medo de não saber o que vai
acontecer remete o observador ao para um mundo de ilusão, conforme narrou Platão. Normalmente, as pessoas próximas
daquelas doentes, em sua maioria, procuram obter informações do doente não
diretamente dele, mas sim através de um parente ou amigo. Quando criam coragem
de fazer um contato seja pessoal ou virtual, já se passou muito tempo desde que
a doença foi descoberta. Da mesma forma que os homens
acorrentados dentro da caverna, o ser doente, estará em uma situação muito mais
confortável se receber do observador atenção e acesso a uma relação próxima,
sem ilusões, preconceitos, idéias falsas. O doente, devido ao seu estado,
carece de afetividade e carinho daqueles que o cercam. O afastamento pelo Mito
da Doença causa grande tristeza ao doente que tem a sensação de abandono
daqueles que gosta ou ama.
A cura de uma doença passa por vários
processos e um deles é o restabelecimento da autoconfiança na própria pessoa de
que ela ficará saudável. O afastamento das pessoas próximas, por puro Mito da
Doença, não contribui em nada para esse restabelecimento. As pessoas doentes devem ser
encaradas, como o homem que escapou da caverna e viu que no mundo exterior a
realidade era outra. As pessoas doentes não devem ser tratadas como sombras. As
pessoas doentes querem afeto, carinho, conforto, aproximação, diálogo. Falar
sobre a doença com um doente não vai entristecê-lo mais ainda,
muito pelo contrário, vai permitir que ele se desabafe, que alivie a pressão
interna, que ele saia da caverna. Não devemos fazer um Mito de qualquer
doença que seja, pois nela não há o inexplicável, não há personagem
sobrenatural.
Mesmo chamando esse estado
comportamental de Mito da Doença, na verdade esse mito não existe. É uma falsa
ilusão baseada em preconceitos, medo e desinformação. Belo Horizonte, 01 de julho de 2014.
Ana Tereza Veloso Costa - Psicóloga
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